As eleições do passado dia 6
de outubro reconfiguraram a Assembleia da República, com a esquerda representada
em quase dois terços do hemiciclo, quando ainda faltam eleger os quatro
representantes da diáspora.
Poderá perguntar-se porque é
que em 2015, após anos de forte austeridade, os eleitores ainda deram um
resultado significativo aos partidos que suportaram o governo de Passos Coelho.
Penso que a explicação está no sentimento de insegurança que, nesses anos, se
instalou na maioria dos portugueses. Traumatizados por um período de recessão e
de corte brutal nos seus direitos básicos, a terem de emigrar e até
incentivados a isso, os portugueses entraram num período negro de descrença neles
próprios (não eram eles, os gastadores, os grandes culpados da situação a que o
país chegou, como foi propalado?) e na própria essência de ser português.
Enquanto não pagássemos o que devíamos não merecíamos viver melhor. A bafienta
expressão “pobrezinhos, mas honrados” voltava a assombrar-nos a memória.
A descrença e sentimento de
culpa de alguns, essa interiorização de estarmos no purgatório por pecado venial
(que premeditadamente o governo da direita conotou aos “despesistas e
esbanjadores” de esquerda), e a insegurança daí resultante, fizeram efeito. A insegurança
é propícia ao receio da mudança e também à criação de cenários tenebrosos. Que
fantasma estará para lá da porta?...
Para alguns, era melhor
continuar a sofrer (este fatalismo tão português) até que o perdão nos fosse
concedido – mesmo que muitos tivessem de ficar irremediavelmente pelo caminho
–, mas, uma grande parte pensou que valia a pena contrariar o ciclo deprimente.
Por isso, nesse ano, a esquerda conseguiu a maioria no Parlamento. O suficiente
para que a porta se abrisse.
Para surpresa de muitos, depois
da porta aberta verificou-se que, afinal, havia mais vida para além da
austeridade.
Estes quatro anos de
“geringonça” mostraram que havia alternativa à austeridade e ao encolhimento, repuseram
a confiança e a credibilidade do país além-fronteiras, reduziram-se
desigualdades sociais, gerou-se mais crescimento económico, criou-se mais e
melhor emprego e a taxa de desemprego baixou para números inimagináveis. Mas, o
mais importante, estes últimos quatro anos tiraram Portugal do estado
depressivo em que se encontrava e os portugueses voltaram a ter confiança.
Respira-se melhor neste país
da “geringonça” e para muitos, na hora de votar, vieram à lembrança tempos idos
bem mais deprimentes.
Para mim, esta ampla e grande
vitória do PS e o reforço da esquerda no Parlamento, significam que o grande
contingente dos mais desfavorecidos e das classes que mais sofreram durante o
governo de Passos Coelho e companheiros, finalmente ajustaram contas com o PSD
e o CDS, porque viram que existiam outras alternativas.
Destas eleições alguns factos merecem
análise sociológica:
- A inquestionável vitória do
PS que aumentou grandemente em número de deputados, em percentagem e em número
de votos;
- O alargamento da base de
apoio da esquerda (consequente declínio da direita), em contraciclo com ventos
que sopram noutras paragens;
- A derrota do PSD que abriu
hostilidades internas, com consequências imprevisíveis;
- O quase desaparecimento do
CDS. A forma de fazer oposição de Cristas descredibilizou-a, a ela e ao partido;
- A inesperada e preocupante
eleição de um deputado da extrema-direita, aproveitando dificuldades de
resposta do estado democrático a questões do senso comum;
- A afirmação do Bloco de Esquerda
como terceira força política, conseguindo o mesmo número de deputados, mas
perdendo eleitores;
-A dificuldade que a CDU
(PCP/PEV) tem em manter a sua base de apoio que, de maneira constante tem vindo
a diminuir;
- A subida do PAN, que embora
significativa, não foi aquela que alguns vaticinavam;
- A nova constituição do
parlamento (agora com dez grupos representados), que alterará a dinâmica dos
debates e obrigará os partidos “tradicionais” a refazerem formas de atuação
política;
- O futuro e a viabilidade da plêiade
de pequenos partidos que enxamearam o firmamento eleitoral, alguns com
resultados totalmente residuais;
Questões para o debate
político, que o futuro se encarregará de explicar
No meu concelho, em Almeirim, o Partido
Socialista teve a maior percentagem (46,55%) entre todos os partidos
concorrentes nos diversos concelhos do distrito de Santarém, ganhou em todas as
mesas, em todas as freguesias e aumentou o número de votantes, deixando a
segunda força mais votada, o PPD/PSD, a quase trinta pontos de distância. Quando
se trabalha bem os resultados aparecem.