24 outubro, 2019

QUESTÕES ACERCA DAS ELEIÇÕES DE 6 DE OUTUBRO


As eleições do passado dia 6 de outubro reconfiguraram a Assembleia da República, com a esquerda representada em quase dois terços do hemiciclo, quando ainda faltam eleger os quatro representantes da diáspora.
Poderá perguntar-se porque é que em 2015, após anos de forte austeridade, os eleitores ainda deram um resultado significativo aos partidos que suportaram o governo de Passos Coelho. Penso que a explicação está no sentimento de insegurança que, nesses anos, se instalou na maioria dos portugueses. Traumatizados por um período de recessão e de corte brutal nos seus direitos básicos, a terem de emigrar e até incentivados a isso, os portugueses entraram num período negro de descrença neles próprios (não eram eles, os gastadores, os grandes culpados da situação a que o país chegou, como foi propalado?) e na própria essência de ser português. Enquanto não pagássemos o que devíamos não merecíamos viver melhor. A bafienta expressão “pobrezinhos, mas honrados” voltava a assombrar-nos a memória.
A descrença e sentimento de culpa de alguns, essa interiorização de estarmos no purgatório por pecado venial (que premeditadamente o governo da direita conotou aos “despesistas e esbanjadores” de esquerda), e a insegurança daí resultante, fizeram efeito. A insegurança é propícia ao receio da mudança e também à criação de cenários tenebrosos. Que fantasma estará para lá da porta?...
Para alguns, era melhor continuar a sofrer (este fatalismo tão português) até que o perdão nos fosse concedido – mesmo que muitos tivessem de ficar irremediavelmente pelo caminho –, mas, uma grande parte pensou que valia a pena contrariar o ciclo deprimente. Por isso, nesse ano, a esquerda conseguiu a maioria no Parlamento. O suficiente para que a porta se abrisse.
Para surpresa de muitos, depois da porta aberta verificou-se que, afinal, havia mais vida para além da austeridade.
Estes quatro anos de “geringonça” mostraram que havia alternativa à austeridade e ao encolhimento, repuseram a confiança e a credibilidade do país além-fronteiras, reduziram-se desigualdades sociais, gerou-se mais crescimento económico, criou-se mais e melhor emprego e a taxa de desemprego baixou para números inimagináveis. Mas, o mais importante, estes últimos quatro anos tiraram Portugal do estado depressivo em que se encontrava e os portugueses voltaram a ter confiança.
Respira-se melhor neste país da “geringonça” e para muitos, na hora de votar, vieram à lembrança tempos idos bem mais deprimentes.
Para mim, esta ampla e grande vitória do PS e o reforço da esquerda no Parlamento, significam que o grande contingente dos mais desfavorecidos e das classes que mais sofreram durante o governo de Passos Coelho e companheiros, finalmente ajustaram contas com o PSD e o CDS, porque viram que existiam outras alternativas.
Destas eleições alguns factos merecem análise sociológica:
- A inquestionável vitória do PS que aumentou grandemente em número de deputados, em percentagem e em número de votos;
- O alargamento da base de apoio da esquerda (consequente declínio da direita), em contraciclo com ventos que sopram noutras paragens;
- A derrota do PSD que abriu hostilidades internas, com consequências imprevisíveis;
- O quase desaparecimento do CDS. A forma de fazer oposição de Cristas descredibilizou-a, a ela e ao partido;
- A inesperada e preocupante eleição de um deputado da extrema-direita, aproveitando dificuldades de resposta do estado democrático a questões do senso comum;
- A afirmação do Bloco de Esquerda como terceira força política, conseguindo o mesmo número de deputados, mas perdendo eleitores;
-A dificuldade que a CDU (PCP/PEV) tem em manter a sua base de apoio que, de maneira constante tem vindo a diminuir;
- A subida do PAN, que embora significativa, não foi aquela que alguns vaticinavam;
- A nova constituição do parlamento (agora com dez grupos representados), que alterará a dinâmica dos debates e obrigará os partidos “tradicionais” a refazerem formas de atuação política;
- O futuro e a viabilidade da plêiade de pequenos partidos que enxamearam o firmamento eleitoral, alguns com resultados totalmente residuais;
Questões para o debate político, que o futuro se encarregará de explicar
No meu concelho, em Almeirim, o Partido Socialista teve a maior percentagem (46,55%) entre todos os partidos concorrentes nos diversos concelhos do distrito de Santarém, ganhou em todas as mesas, em todas as freguesias e aumentou o número de votantes, deixando a segunda força mais votada, o PPD/PSD, a quase trinta pontos de distância. Quando se trabalha bem os resultados aparecem.

26 junho, 2019

Mudo, cego e surdo

Um salto de 2017 para 2019. Iniciado em 2016, desde 2017 que o Sétima Sinfonia esteve sem qualquer pensamento, sem qualquer comentário, observação ou foto. Esteve, por isso, Mudo, Cego, e Surdo. Este é um triplo estado que não se deseja a nenhum ser vivente - útil, só na metáfora dos três macacos sábios - embora a produção de pensamentos não seja impeditiva em qualquer deles.
Sem voz não podemos expressar a essência verdadeira das palavras: posso escrever AMO-TE num papel branco e não passa disso, de cinco sinais gráficos, frios e até impessoais, porque há impessoalidade na palavra escrita. Mas posso dizer AMO-TE com voz doce, convincente, sincera, e... dizer AMO-TE de supetão, brusco e agressivo, como quem cumpre uma obrigação. O importante está, não no que se diz, mas como se diz.
A cegueira é um inferno de sons, cheiros e aragens vindos sabe-se lá de onde. O pensamento na cegueira é feito da suposição sobre outros sentidos. É onírico, pois é o imaginário que dá forma ao rel. Mas a pior cegueira é, como todos bem sabemos, a recusa em ver, estando de olhos abertos.
Neste momento, em que escrevo, ouço "Fandango" de Luigi Boccherini. Apercebo-me que vou meneando a cabeça ao som dos violinos, das guitarras, das castanholas e do ritmo. A música entrou em mim e mistura-se com os outros pensamentos, sem conflitos, quase sempre indicando caminhos, complementando-os. Eu, se não pudesse ouvir, sobreviveria como pensador amputado e triste. Não tenho a força de Beethoven... A surdez faz do homem um desconfiado temeroso ou um louco destemido. Sempre preferi a lucidez dos loucos.
Estes incertos tempos, em que se opina atabalhuadamente acerca de tudo sem qualquer fundamentação (coisa de intelectuais), em que a cultura existe em forma de pronto a servir, parecem tempos loucos. Talvez não. O mundo foi sempre assim, caótico e incerto. Loucos são os que, para lhe dar sentido, procuram a todo o custo a Verdade, sabendo que nunca a irão encontrar.

SEXTA-FEIRA, DIA 13

O número 13 de má fama e objeto de tantos receios e superstições deve em parte a sua reputação por ser um número que desfaz o equilíbrio do ...