13 janeiro, 2023

SEXTA-FEIRA, DIA 13

O número 13 de má fama e objeto de tantos receios e superstições deve em parte a sua reputação por ser um número que desfaz o equilíbrio do 12, este sim, um número de bons augúrios e profusamente citado na Bíblia: as doze tribos de Israel, os doze discípulos de Jesus…. Também o livro do Apocalipse se refere ao 13 como o número da besta, o anticristo.

A mitologia nórdica refere um alegado jantar em que o pai de todos os deuses, Ódin, ofereceu para doze convivas – eram todos eles também deuses, claro – e que um décimo terceiro deus, por não ter sido convidado por ter mau feitio, armou uma confusão tremenda da qual resultou a morte de um dos presentes. Conclusão, reuniões com treze elementos acabam sempre em desgraça.

Tudo coisinhas más que o fatídico número atrai, mas a Sexta-Feira não lhe fica atrás.

Para começar, in illo tempore, parece que o grande dilúvio foi numa sexta-feira, que Adão e Eva comeram o fruto proibido numa sexta-feira e acabaram expulsos do Paraíso, mas que também Abel matou o irmão Caim no mesmo dia da semana.  

Jesus Cristo, também convocou uma ceia (a sua última) numa quinta-feira com os seus doze apóstolos, mas, atraiçoado por Judas, vem a morrer no dia seguinte, uma sexta-feira.

A Igreja Católica, na sua saga de conversões, ao ter demonizado Frigg, deusa nórdica esposa do já referido Ódin, desencadeou a sua fúria, tendo ela convocado todas as bruxas e demónios das suas relações para infernizarem e amaldiçoarem a humanidade. Quando saíam à rua? Às sextas-feiras.

Mas será provavelmente a Ordem do Templo a principal responsável pela má fama do par Sexta-Feira/Dia 13.

Reza a história, mais as pinceladas da lenda, que foi numa sexta-feira,13, que o rei de França Filipe IV com a tolerância do papa Clemente V, ordenou a prisão de todos os Templários do seu reino e a confiscação dos bens da Ordem. O terror ficou assim associado a essa data fatídica, 13 de outubro de 1307, uma sexta-feira.

Portanto tenham cuidado. Evitem almoços, jantares ou ceias com treze elementos. Vai correr mal. E principalmente neste dia, não passem debaixo de escadas, não se cruzem com gatos pretos nem quebrem espelhos. Os resultados podem ser funestos. Mas se já o fizeram, por descuido ou por desconhecimento, e não sofreram dano de maior... foi porque as potestades dos infernos estavam distraídas ou não o acharam merecedor da sua fúria nem do seu precioso tempo. Com certa gente é melhor passarmos despercebidos...

11 janeiro, 2023

FÁTIMA SABE BEM

 

Terceiro dia de janeiro de 2023.

O dia está ameno, não chove, o sol espreita e o vento está recolhido. No grande recinto, entre a antiga Basílica de Nossa Senhora do Rosário e a moderna Basílica da Santíssima Trindade, deambulam crentes e turistas. Provavelmente mais turistas. Alguns em grupo, mas mais pares. Outros vagueiam solitários. Existe, naquele espaço imenso e despido, um estranho afastamento entre estranhos. O vasto recinto de oração, sob o olhar sofredor do Cristo estilizado e oxidado, contemporâneo da nova Basílica, e o Sagrado Coração de Jesus em bronze dourado, é um deambulatório sereno e agradável.


Fátima é uma Babel de línguas e culturas, atestando a universalidade do culto mariano. Um pouco por todo o lado vêm-se trajos de outras latitudes e ouvem-se diferentes línguas, umas mais familiares, (espanhol, francês, inglês...) outras mais singulares e exóticas, com sonoridades asiáticas e do leste europeu. O português colorido e exuberante do Brasil é omnipresente. Português de cá também se vai ouvindo, mas menos, não por falta de crentes nacionais, mas pela nossa endémica circunspeção e sobriedade quando em presença de estranhos.



Àquela hora, no entanto, dois locais salientam-se pela aglomeração de pessoas: a Capelinha das Aparições e o tocheiro com o crematório das velas.

O tocheiro é o local mais popular do santuário. Queimam-se velas de promessas por graças recebidas ou pedidas. É popular no sentido de informalidade e comunidade. As pessoas falam com outras sem baixar a voz, encostam-se e avançam na fila das velas ardentes, sob o cheiro enjoativo da cera queimada e o ardor do fumo ininterrupto. No início está o crematório onde, à entrada, numa placa, a Reitoria do Santuário, informa:

“Impossível queimar dignamente todas as velas no tocheiro.

Acenda uma vela só.

Coloque as restantes na pira.

A sua promessa fica cumprida.”

Pode-se ir carregado de promessas e, afinal, uma só vela basta para as cumprir. Faz sentido. Todas as promessas e desejos da vida de uma pessoa, quando reunidos, podem transformar-se numa única grande promessa e num único grande desejo.



A escassos metros encontra-se a Capelinha das Aparições, local primordial da sacralidade de Fátima. A modesta capela, com a Senhora em frente, está disfarçada sob uma enorme estrutura rodeada de painéis de vidro, que a protege e aos crentes, das intempéries que Deus manda. Neste sítio reza-se o terço e ouvem-se missas, em geral dadas por padres poliglotas.

O recinto está repleto de crentes sentados ou em pé, pois decorre a missa da manhã. Quando esta acaba, os lugares desocupados dão lugar a outros crentes ou meros visitantes, para rezarem o terço, meditarem ou apenas para descansarem.

Alguns dos que deambulam aproximam-se da Capelinha. O semblante muda conforme a distância diminui. O rosto curioso e alegre vai-se fechando, acabaram-se os sorrisos, e quando se perfilam em frente do altar, já estão em posse de meditação com a cabeça descaída e os olhos vagamente para a frente e para baixo. A religiosidade do lugar impõe recato e circunspeção.

Mas, é de fora que a Capelinha e a sua proteção ganham beleza cinematográfica. Deslocamo-nos e vemos sob diversos ângulos, refletidos nas grandes paredes de vidro, a Basílica de Nossa Senhora do Rosário; as colunatas clássicas; a velha azinheira presa num recinto gradeado e fechado a cadeado; as nuvens e o céu. É um dos sítios mais reconfortantes e apaziguadores de todo o exterior do Santuário.




Descendo o terreiro ligeiramente inclinado da Basílica antiga para a Capelinha, duas mulheres e três homens, alegres e ruidosos, empurram, ou seguram, uma cadeira de rodas com uma senhora de cabelos já grisalhos. A cadeira pára a um sinal da sua utente, que ordena aos cinco que se agrupem atrás dela. Estava na hora da selfie com a basílica em fundo. A montagem demora. Mais para a direita, mais para a esquerda...e o quinteto obedece. Como estão a tapar o fundo basilical mais as elegantes colunatas, alguns dos figurantes baixam-se em meia genuflexão e outros têm mesmo de se ajoelhar. A senhora grisalha, de braço estendido, fixa, no telemóvel, meia dúzia ou mais de imagens, em conformidade com a lei das selfies, porque há sempre umas melhores que outras. Olhando para o quadro penso que, afinal, nem só para rezar a Nossa Senhora se ajoelha em Fátima. Os modernos deuses também têm as suas exigências.

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Crente ou não, Fátima sabe bem. Talvez porque esteja ali um pouco desse imenso universo, interior e terreno, de que todos fazemos parte.

02 janeiro, 2023

ANO NOVO. NEVOEIRO E ESPERANÇA




O primeiro dia do ano foi muito chuvoso. O segundo foi de nevoeiro intenso. A chuva, quando cai normalmente e não em torrentes devastadoras, é metáfora de vida e de esperança. O nevoeiro representa a incógnita, o desconhecido para além do que se avista, a dúvida do cenário por detrás da cortina.

A chuva é tão necessária à vida, tanto como a sua falta é sinal de morte. Não só a sua falta prenuncia a morte, também o seu excesso. Mas a chuva é física, sente-se e vê-se. Mesmo quando temos de lutar contra dilúvios, sabemos o que enfrentamos. Podemos ficar molhados ou ressequidos até aos ossos.  Podemos morrer afogados ou de sede.  A chuva é o bem que por vezes é o mal. É humana porque também somos chuva.

O nevoeiro é o indizível porque não é material. Não se engole uma mão cheia de nevoeiro, não construímos barreiras para o suster, e mesmo que nos invada e cerque não morremos por isso. Aparece e foge, fora do nosso controle. Quando surge, paulatina e silenciosamente, insinua-se por todas as frestas e isola-nos. O nevoeiro espalha-se como um odor que se vê, mas não se cheira. As únicas características do nevoeiro são a humidade e a gradual opacidade. A humidade é água escorregadia e falsa, a opacidade é perigo e ignorância. O nevoeiro está no limbo do compreensível e do indescritível. O nevoeiro é perigoso porque pode ser armadilha. O nevoeiro põe em guarda o nosso “ser” reptiliano, porque suscita incertezas e temores.

Este ano que começa, como qualquer coisa nova, traz sempre consigo uma carga de dúvidas e, também, de alguma esperança. O Ano Novo não é exceção. Muitas dúvidas acerca do Humanismo dos homens, mas sempre a esperança que o nosso “lado bom” prevaleça.

Vamos continuar a assistir ao desumanismo dos senhores da guerra, à soberba dos senhores do dinheiro e à raiva e violência dos ignorantes. Representam o pódio dos torcionários. Os senhores da guerra banalizam a morte, os senhores do dinheiro sentem-se uma espécie à parte dos humanos e os ignorantes propalam verborreia de caserna contra a sociedade que os acolhe, unicamente porque ainda não são senhores da guerra nem do dinheiro. É o nevoeiro a imperar.

A esperança da vida reside na esperança da mudança. A esperança de que os senhores da guerra – porque se alimentam da guerra – morram à falta dela; a esperança de que os senhores do dinheiro se tornem humanos e humanistas e a esperança de que os ignorantes invistam em conhecimento e sabedoria, e se tornem mais lúcidos.

Que este ano seja, para todos, um ano de esperanças concretizadas.




SEXTA-FEIRA, DIA 13

O número 13 de má fama e objeto de tantos receios e superstições deve em parte a sua reputação por ser um número que desfaz o equilíbrio do ...